A primeira vez que nos encontramos foi em janeiro desse ano, quando fui tomar a terceira dose da vacina contra a Covid-19 na clínica da família Santa Marta, em Botafogo. Do outro lado da rua, na Praça Corumbá, vi o fumacê espiralando de seu braseiro, uma quantidade enorme de gente em pé, papeando um com o outro de braços cruzados, calçando chinelos, com a chave de casa girando num dos dedos da mão. Fiquei por algum tempo observando Ribamar trabalhar: numa dança rotineira, ativa e bem-humorada, ia conferindo os nomes apontados no caderno, enchendo as marmitas dos fregueses já conhecidos, a maioria moradores da favela Santa Marta e das redondezas, isto é, aqueles que conseguiram garantir uma vaga, postulada na véspera, na fila disputada do seu baião. Enchia cada quentinha do arroz e feijão misturados em puxadas ritmadas, descia um espeto de carne, frango e linguiça sobre cada uma delas, tampava, juntava farofa e vinagrete em doses individuais, chamava o dono em voz alta e entregava.
Cada um pagava e pegava seu troco ali mesmo, as notas postas numa lata antiga e enferrujada de uísque escocês Chivas Regal, as moedas num pote de plástico verde, em cima da bancada improvisada, tudo na base da confiança. De vez em quando, recolhia as notas mais gordas, dobrava e guardava no bolso da camisa. Quando o nível de baião baixava no panelão, ia repondo as doses de queijo de coalho e cheiro-verde picados, para que todo mundo desfrutasse do prato igualmente, farto de seus predicados. Entre uma entrega e outra, cutucava os torrões de carvão e abastecia a grelha de espetos novos, de carne crua, salgava com um punhado de sal grosso, riscava forte o nome do último freguês e seguia viagem, recomeçando tudo de novo até que a plateia se desfizesse, voltando com um banquete completo para casa. Só depois me aprocheguei, me apresentei, disse que queria conversar com ele se lhe sobrasse um tempo, que era jornalista e queria contar sua história. Pedi para tirar fotos e Ribamar assentiu, mas sem fazer pose, concentrado no seu proceder.
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