Receita: o camusquim da Dona Déo
Camusquim é comida de festa em Belém do Pará, comum em aniversários, círios de Nazaré, batizados e almoços familiares de domingo. A receita original leva camarão seco e salgado, mas como em todo prato popular da cozinha do Brasil, vai se adaptando de acordo com os tempos e os lugares, a influência da industrialização e, principalmente, o alcance do bolso de cada um. O camusquim tem uma história linda e viva de adaptação: dado o apego tamanho dos paraenses à sua cozinha original, os exilados em outros estados, como minha mãe no Rio de Janeiro, logo trataram de fazer a versão com camarão fresco, mais barato e fácil de achar fora de Belém. Adapta-se também quando o dinheiro é curto para falar em qualquer camarão, e num estalo de dedos pode virar um belo camusquim de frango, feito a partir de um frango ensopado trivial, renovado pelo gosto de um refogado potente. Graças a esse apego, fixado por uma cultura alimentar forte como a do Pará, não fazer camusquim não é uma opção; faz-se com o que se tem.
Na época da infância da minha mãe, o molho branco era de leite engrossado com Maizena, já que o creme de leite era artigo de luxo, guardado numa cesta de vime junto com as latas de leite condensado no alto do armário da cozinha, para se fazer doces em dias de aniversário. Peraltice de criança, no meio de um dia parado, minha mãe tentou pescar uma lata de leite Moça para furar e chupar, mas perdeu o equilíbrio e a lata caiu no seu olho, talhando o supercílio em sangue e deixando até hoje uma cicatriz desse evento doce em seu olho pequeno. A receita do camusquim transcrita aqui é da Dona Déo, apelido de Deolinda, uma senhora que não conheci, sogra da minha tia Vera, a Véi, irmã mais velha da minha mãe e matriarca das nossas vidas. Dona Déo ensinou muita coisa da cozinha para ela, porque costuma ser mesmo entre as mulheres de cada família que os saberes da cozinha vão sendo transmitidos ao longo da vida. Fazia todas suas receitas de olho, o único que tinha, guardado detrás de óculos de lentes grossas, e por ser da classe média, filha de portugueses, sua versão levava creme de leite, não molho branco.
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