Um dos meus últimos compromissos antes de vir de vez para Portugal foi o lançamento do livro da Roberta Sudbrack, cozinheira que nunca escondeu sua escrita bonita de ninguém. Sempre referenciou e reverenciou sua avó, Iracema, como a principal personagem de sua vida fora e dentro da cozinha. Agora, com “Um tal cheiro de ambrosia: conversas com Vó Iracema”, publicado pela editora Interseção a partir de um financiamento coletivo e prefaciado por Adriana Calcanhotto, Roberta põe esse amor no papel, para quem quiser passar um café e ler, se encharcando desse sentimento elevado que pode ser o amor entre netos e avós. De pé na fila serpenteada pelas estantes da livraria Blooks, dentro de um cinema em Botafogo, comi bolo de banana com cafezinho e tomei um copo de um vinho brasileiro que adoro, um laranja da Era dos Ventos. Quando os vi equilibrados na bandeja de um garçom grisalho, pensei baixo: “Só a Roberta, mesmo…” Minha vez chegou, ela foi assinar a dedicatória na folha de rosto, depois de me beijar a bochecha. Falei que estava prestes a embarcar para o mestrado, e que também só pensava na minha vó Célia e no quanto ela estaria feliz em saber dessa notícia, se aqui estivesse. Roberta só riu, mas acho que quis dizer: “Ela sabe”. Depois de lá, com o coração marejado, quis mitigar uma saudade que sentiria em breve: a de sentar num botequim. Fomos à Adega da Velha, um botequim nordestino, pedimos quiabos na chapa com alho frito, carne do sol acebolada com macaxeira e chopes Brahma, e tudo já tinha gosto de falta.
Roberta criou muitas coisas pelas quais me apaixonei perdidamente na cozinha. Faz a cozinha brasileira que todo mundo devia poder comer: saudável, justa, gostosa de verdade, feita com amor e os melhores ingredientes disponíveis (sempre que possível, de perto). Sua história é linda e daria um filme: foi com a vó que já vendeu quentinhas e cachorro-quente antes de cozinhar no Palácio da Alvorada e ter seu restaurante de alta gastronomia, que fechou em busca de pés no chão. Voltou à cozinha simples e afetiva do Brasil para se encontrar: em seu Sud, O Pássaro Verde, no Jardim Botânico, não há frescura nem regras, tem de tudo, diz-se tudo, ri-se alto e come-se sem reserva nem toalha na mesa. De lá tenho três lembranças muito vivas que senti vontade de descrever aqui, me demorando nessa tarefa árdua de relembrar, querendo correr para lá, coisa que agora, do outro lado do mar, ficou um tanto mais dura. A primeira é uma carne que Roberta chamava de “nua e crua”, bem fresca e vermelha, picada na ponta da faca sem nenhum nervinho sequer, servida na temperatura perfeita (fria, não gelada demais) e temperada com sal, pimenta e bom azeite, avelãs torradas picadas e uma nuvem fina de queijo curado de Pernambuco ralado por cima.
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